quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A morte do artista




A morte do artista

O terrorista norueguês acha que, matando 11 000 portugueses, este país passa a comportar-se como ele deseja. Ou seja, julga que há 9 989 000 nativos que simpatizam com a sua conceção do mundo assassina, fundamentalista cristã e de extrema-direita. Obviamente, o que este homem conhece de Portugal são as caixas de comentários dos jornais na internet

A morte de Amy Winehouse fez aumentar em 300% a procura dos seus álbuns em Portugal.
Os portugueses nunca apreciam tanto as capacidades de um cantor como quando ele deixa de as ter. A promessa de um álbum novo não entusiasma tanto os fãs como a garantia de que nunca mais se editará nenhum. Bem pode um artista apresentar o currículo, o número de discos vendidos e as críticas elogiosas que não comove o público português. Ou o cantor avança com uma certidão de óbito assinada por um médico legista autorizado, ou não nos convence.
Como é evidente, apreciar artistas mortos não é um fenómeno exclusivamente português, mas acredito que, em Portugal, seja mais acentuado.
Aqui, não só as pessoas compram com outro entusiasmo os discos de artistas mortos como são capazes de frequentar concertos de bandas que já faleceram há muito. Ainda no outro dia o concerto dos Pink Floyd estava cheio.
A expressão "a morte do artista", que costuma designar uma fatalidade, é desadequada. É precisamente a morte do artista que lhe permite experimentar o verdadeiro sucesso. Cantor que seja capaz de falecer uma vez por ano passa a obter dupla platina em todos os discos.
É uma pena que a maior parte só tenha habilidade para conseguir fazê-lo uma vez. Morrer é a melhor manobra de marketing do mundo artístico.
Talvez o raciocínio do público seja: "Bom, este artista morreu.
Deixa-me comprar os seus discos antes que morra eu também." Numa semana em que os portugueses se confrontaram com a sua própria mortalidade, essa inquietação pode ter sido mais intensa. Pelo menos 11 000 portugueses receberam uma ameaça de morte. Primeiro eram os finlandeses que não queriam emprestar-nos dinheiro, agora é um norueguês que nos quer matar. Estes nórdicos andam a embirrar connosco.
E a insultar-nos: o terrorista norueguês acha que, matando 11 000 portugueses, este país passa a comportar-se como ele deseja. Ou seja, julga que há 9 989 000 nativos que simpatizam com a sua conceção do mundo assassina, fundamentalista cristã e de extrema-direita.
Obviamente, o que este homem conhece de Portugal são as caixas de comentários dos jornais na internet.
O caso demonstrou uma vez mais o lugar de Portugal no mundo. Os terroristas destroem edifícios nos EUA, fazem explodir comboios em Espanha, dinamitam o metro em Inglaterra e arrasam a Noruega. Sobre Portugal, dizem apenas: "Nós, se tivéssemos vagar, até íamos aí matar-vos. Infelizmente, já temos coisas combinadas, senão iam ver." Sim, sim. Não nos enganam. Como é óbvio, sabem perfeitamente que comprámos dois submarinos de guerra novos e têm medo de cá vir.

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